sábado, 21 de fevereiro de 2015

"Como eu vim parar na USP?" Pt.2 - Adeus, Japão.

Olá!
Dando continuidade ao último post..

A ideia de deixar o Japão para buscar uma vida melhor através dos estudos, apesar de já estar formada na minha cabeça naquele momento, ainda me trazia muita insegurança, além de, no fundo, eu estar cético quanto a viabilidade disso tudo. Eu nunca havia retornado ao Brasil desde que fora com minha família para o Japão, e isso também me preocupava. Será que eu me adaptaria no Brasil? No meio de um mar de incertezas e dúvidas, a única coisa que era certa para mim era que eu iria, SIM, deixar a "vida de dekassegui".
Minha irmã mais velha, que também morou no Japão, estava na época (e ainda esta hoje) morando em Barcelona. Ela sugeriu que eu passasse uns dias por lá antes de vir para o Brasil. Eu já havia visitado-a em 2007, quando então ela estava morando na Inglaterra, e esta fora a primeira e única vez, até então, que eu havia deixado o Japão.
Aceitei o conselho dela e decidi que iria passar uns dias com ela antes de vir para o Brasil. Esta foi, sem dúvida, uma das melhores decisões que eu tomei.

Embarquei no dia 28 de junho de 2011 para o Brasil, mas com um "stop-over" programado para a Europa. Desci em Frankfurt, na Alemanha, onde recebi meu visto de turista para a União Europeia, o qual tem duração de 90 dias.
Em resumo, fiquei 85 dias na Europa, e agora explico por que essa foi uma das melhores decisões que eu podia ter tomado: estas "férias pelo mundo" abriram a minha cabeça. Me fizeram enxergar como o mundo é vasto,e como existem coisas para serem vistas e provadas. Tive a mais absoluta certeza de que não queria mais aquela rotina enfadonha das fábricas no Japão. Todas as dúvidas e incertezas que eu carregava comigo foram amenizadas, pois eu tive uma amostra do mundo que me esperava fora das fábricas, um mundo que eu poderia alcançar.

Terminada a experiência pelo mundo, o destino final me esperava. Cheguei no Brasil dia 24 de setembro de 2011. Fazia bastante calor, e meus pais me esperavam no aeroporto de Guarulhos.
Lembro-me da primeira coisa que me chamou a atenção: placas escritas em português! Propagandas, avisos, tudo escrito no "alfabeto romano" e em português. Ridiculamente óbvio, não? Sim, óbvio, mas lembro-me bem de ter sentido um certo "impacto" com esse detalhe.
Malas colocadas no carro, estacionamento pago, vamos para casa. Pelo caminho, eu observava tudo atentamente, e várias coisas já começavam a me incomodar: motoristas fechando meu pai o tempo todo, sujeira na rua, sinalização péssima. É, não seria nada fácil me adaptar ao Brasil. E não foi.
Os 3 primeiros meses foram dificílimos. Entrei em depressão, não tinha vontade de fazer absolutamente nada, não saia na rua nem pra ir à padaria comprar um pão. Nenhum amigo, nenhum conhecido aqui, sozinho em casa o dia inteiro. Por vezes cheguei a pensar em voltar pro Japão, mas era só imaginar minha antiga rotina que esses pensamentos se desvaneciam.

Passado esse primeiro momento difícil (o qual incluiu outros problemas pessoais que não vem ao caso), comecei a "me mexer". Comecei a pesquisar sobre os estudos na internet. Eu estava completamente por fora de tudo, obviamente: não sabia como funcionavam os vestibulares, não sabia pra que servia o ENEM, enfim, não sabia nem por onde começar. No meu caso, precisava fazer o seguinte: terminar o ensino fundamental e o médio para então poder me preparar para um vestibular. Eu estava com 24 para 25 anos, portanto tinha pressa. Precisava agilizar o máximo possível isso.

Comecei a estudar sozinho em casa, ao mesmo tempo em que procurava o meio disponível para eu poder concluir meu ensino fundamental. O meio que encontrei foi fazer supletivo em um colégio particular em São Paulo, o qual teria duração de 6 meses por série (teoricamente). Porém, eu não possuía documento escolar, pois a "escola brasileira" que eu frequentei no Japão, até a oitava série (sem tê-la concluído de fato), não me deu documento algum. Isso me preocupou muito, pois seria inviável ficar anos fazendo supletivo para concluir o ensino fundamental. Depois de muita procura, muitas ligações e muito "chá de cadeira" (elementos indissociáveis do cotidiano no Brasil), consegui encontrar um colégio que possuía o supletivo do ensino fundamental e médio, e que aplicava uma "prova de nivelamento" para quem não possuísse documento escolar. Com essa prova, que incluía as disciplinas obrigatórias do ensino fundamental, a pessoa poderia ser alocada em uma série de acordo com o conhecimento que possuía. Essa busca durou cerca de 4 meses, e durante todo esse tempo eu já estava estudando pesadamente em casa. Acordava mais ou menos as 9 horas da manhã, e estudava até as 10 da noite, todos os dias. Utilizava video aulas no youtube para os conteúdos das matérias, os quais por sua vez eu pesquisava no Google para saber quais eram, a ordem em que vinham etc. Depois de assistir as video aulas dos respectivos assuntos, eu voltava ao Google para pesquisar exercícios relacionados aos temas das aulas, e ia resolvendo-os. Dessa forma, quando fiz a prova de nivelamento para o supletivo, consegui entrar diretamente na oitava série, e isso, para mim, já foi o primeiro sinal positivo de que o esforço valera a pena, afinal cheguei no Brasil sem absolutamente base alguma em nenhuma matéria.

Iniciei o supletivo da oitava série em maio de 2012. Assistia as aulas de manhã, das 8 ao meio dia, e passava o resto do dia estudando em casa, até de noite. Logo eu já estava muito mais adiantado nas matérias em relação ao que via no supletivo, o qual iria me servir apenas para receber o certificado de conclusão do ensino fundamental. Em setembro conclui o supletivo, recebendo então o certificado. A esta altura eu ja estava estudando os assuntos do ensino médio, seguindo à risca os conteúdos que faziam parte da ementa. O método de estudo era o mesmo que eu citei acima (vou fazer um post detalhado sobre como eu organizava os estudos em casa). Já havia me informado sobre o ENEM também, e decidi que não iria fazer supletivo para o ensino médio, pois no ato da inscrição no ENEM é possível selecionar uma opção para que este seja utilizado para a conclusão do ensino médio, mediante certos critério de pontuação. Fiz um plano ambicioso: continuar estudando fortemente durante o ano de 2013, prestar o ENEM e todos os vestibulares que eu pudesse, e ingressar em uma faculdade já em 2014.

Apesar de estar me dando relativamente bem com a organização dos estudos sozinho em casa, o conteúdo do ensino médio necessário para um bom rendimento em um vestibular de faculdade pública como a USP, UNICAMP e etc, é extremamente extenso. Decidi então que iria fazer um cursinho para me auxiliar nessa empreitada. Ainda que os cursinhos sejam direcionados para quem já fez o ensino médio, pois eles são uma espécie de "revisão intensiva" de todo o conteúdo programático, acreditei que seria capaz de acompanhar. Pesquisando os diversos cursinhos existentes, decidi prestar a prova de bolsas do Objetivo (unidade Paulista). Eles disponibilizaram o conteúdo que deveria ser estudado para a prova, e eu passei a estudar apenas este conteúdo, pois necessitava de uma boa bolsa devido aos elevados valores das mensalidades. Entre começar a estudar para a prova de bolsas e realizar a prova propriamente dita, tive cerca de 1 mês. Em dezembro de 2012 fiz a prova, e consegui um bom desconto nas mensalidades. As aulas do cursinho teriam início em fevereiro de 2013, e eu continuei meus estudos em casa até isso.
No próximo post irei escrever sobre o início das aulas no cursinho e a preparação para encarar os grandes vestibulares.

Um abraço à todos!





segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Primeiro post da série: "Como eu vim parar na USP?" - Decidindo deixar o Japão

Olá!

Desculpem pela demora em fazer uma nova postagem, mas como prometi, vou descrever minha "saga". Como não deve ser novidade para nenhum dekassegui começar a trabalhar cedo, comecei ainda com 16 anos. A idéia de poder ter seu dinheiro, comprar suas coisas, enfim, ter uma certa "independência" seduz a grande maioria dos jovens brasileiros que vivem no Japão, e eu não fui uma excessão. Com uma adaptação conturbada na escola japonesa, frequentei apenas até a sexta série do "shougakkou", ou 小学校六年生. Ainda antes de terminar esse período, e devido a diversos problemas que estavam ocorrendo, meus pais decidiram me transferir pra uma daquelas "escolas brasileiras", que também são velhas conhecidas da comunidade aí. Não vou entrar muito em detalhes em relação a essas instituições, então resumindo: não cheguei a terminar a oitava série nessa escola, partindo então para o mercado de trabalho japonês. Dos meus 16 anos aos 24, trabalhei em diversos lugares, através de diversas empreiteiras. Sequer passava pela minha cabeça um dia entrar em uma faculdade, pois eu ia vivendo o dia a dia, sem perceber o tempo passar, com planos que iam no máximo até "comprar uma moto nova", ou "comprar o carro X". Bom, até aqui acho que não falei novidade alguma, esse relato com certeza serve pra muitos de vocês que estão aí.

Conforme o tempo foi passando, tinha meu carro, minha moto, "meu" apartamento (alugado obviamente"), fui sentindo que aquela rotina estava fazendo mal a mim. Sentia uma grande infelicidade durante a semana toda, com aqueles trabalhos robóticos e maçantes, sempre contando os minutos pra chegar nas folgas, as quais passavam em um piscar de olhos. Ainda não me passava pela cabeça voltar ao Brasil ( estava direto no Japão, sem ter retornado ao Brasil ) mas sentia que eu precisava fazer alguma coisa em relação a isso tudo.

Então, veio a grande crise de 2008. Meus pais, que na época já tinham uma idade avançada para os padrões do "mercado para dekasseguis", decidiram retornar ao Brasil de vez. Fizeram isso em 2009, e eu continuei aí. Com eles aqui no Brasil, comecei a pensar na possibilidade de vir pra cá, estudar, ter um objetivo de verdade pelo qual acordar de manhã todo dia e ir a luta, coisa que aí no Japão eu simplesmente não tinha. Com essa idéia amadurecendo aos poucos na minha cabeça, em 2011 conversei sobre isso com minha mãe, e ela obviamente me apoiou, ressaltando que, claro, não iria ser fácil. Um cara de 24 anos, que sequer terminou o ensino fundamental, ir para o Brasil e entrar em uma faculdade pública? Disputando com a galera que acabou de sair do ensino médio, com tudo fresco na cabeça? Difícil. Mas desde o início a minha vontade era de entrar na melhor faculdade. Em momento algum cogitei entrar numa "uniesquina". Se fosse pra largar tudo assim e ir tentar algo melhor, que fosse MELHOR mesmo!

Meus pais pesquisaram faculdades aqui no Brasil, foram ao campus da UFSCAR, da USP em São Paulo, e me enviaram diversos folhetos/informativos das universidades por correio. Aquilo tudo me deixou maravilhado, a idéia de um dia entrar numa boa faculdade e começar a trilhar um caminho firme, de fazer o que eu gosto, me seduziu, assim como a ideia de poder "consumir" havia me seduzido 8 anos atrás, quando comecei a trabalhar.
A decisão estava tomada: "voltarei ao Brasil para estudar, não quero mais essa vida no Japão, que apesar de ser cômoda, não me faz feliz".

No próximo post detalharei minha saída do Japão, viajem de 3 meses pela europa e, enfim, a chegada no Brasil, adaptação e início dos estudos.

Um abraço à todos!